Rui Costa da COAPE – “é preciso valorizar a pastorícia e a produção de leite. Se nada for feito, é uma fileira condenada à extinção”.

Rui Costa, presidente da COAPE

Rui Costa, presidente da COAPE, Cooperativa Agropecuária dos Agricultores de Mangualde, deu uma entrevista à Vale da Estrela onde manifesta preocupação pela salvaguarda da actividade da pastoricia e de todo o setor leiteiro e a necessidade de se garantir a autenticidade do queijo Serra da Estrela DOP.

A COAPE, Cooperativa Agropecuária dos Agricultores de Mangualde, no âmbito de um protocolo estabelecido em 2016, está neste momento a finalizar o quarto ano de produção de leite em colaboração com a Queijaria Vale da Estrela. Qual é o balanço que pode ser efetuado nesta fase?
Faço um balanço muito positivo. Em quatros anos conseguimos construir um projeto sólido capaz de responder aos interesses de todas as partes. Juntos, COAPE e Vale da Estrela, soubemos valorizar o esforço e a dedicação de muitas famílias que ano após ano se debatiam com a insegurança do setor. Investimos na organização da fileira desde a melhoria da qualidade do leite através da colocação em todos os produtores de tanques de armazenamento refrigerados, implementamos a recolha diária do leite nos produtores, promovemos através dos nossos parceiros formação gratuita aos produtores e mais importante que tudo foi estabilizar o preço do leite durante todo o alavão acrescido de um aumento de 20% em litro.
Tem sido um esforço e uma aposta enorme no setor. Ainda recentemente integramos um projeto que visa promover as DOP da região Centro de Portugal, onde o Queijo Serra da Estrela DOP assume um protagonismo que lhe é merecido pela sua dimensão e história. Neste âmbito e na lógica de podermos obter ganhos, apostamos na colocação de três viaturas elétricas devidamente equipadas para recolha de leite. Criámos também uma Bolsa de Terras em parceria com o nosso Município que disponibiliza aos novos investidores terrenos para exploração.
Consciente que muito ainda há por fazer, a COAPE continuará a trabalhar com os produtores de leite, as queijarias, as instituições ligadas ao setor e outros, sempre respeitando os princípios do cooperativismo.

Atendendo as circunstancias atuais crê que este ainda é um sector que carece de apoios? O que deve ser feito no sentido de se auxiliar os pastores da serra da Estrela?
Conhecendo a fileira, todos sabemos que se nada for feito, esta é uma fileira condenada à sua extinção.
Existem muitas fragilidades no setor que merecem a nossa atenção de modo a garantirmos a continuidade e a existência de tão nobre atividade.
O papel dos pastores ou da pastorícia para os territórios vai muito mais longe do que a mera produção do leite o que na minha opinião deve merecer uma atenção especial por parte de do poder central e local. Garantir a autenticidade do Queijo Serra da Estrela DOP obriga-nos a um esforço coletivo e uma articulação entre todos os intervenientes no sentido de criar sinergias positivas e objetivos comuns que promovam a valorização de toda a fileira. Existem já hoje bons exemplos de programas de apoio à fileira que devemos replicar e harmonizar em todos os concelhos da região DOP.

Como vê o futuro da fileira do Queijo Serra da Estrela DOP e quais deviam ser as iniciativas para valorização desse produto único no mundo?
Todos sabemos o que fazer para a valorização das DOP’s. Existem entidades na região detentoras de um conhecimento capaz de rapidamente encontrarem o caminho certo para o sucesso da fileira. Proteger as raças autóctones de outras raças exóticas, apoiar os pastores através de regulamentos municipais de apoio às atividades primárias, descriminar positivamente projetos de jovens agricultores, disponibilizar bolsas de terrenos para explorações pecuárias, proteger o DOP do queijo não certificado ao ponto da produção DOP representar na região mais de 80% da produção de queijo estas são algumas, entre outras iniciativas, que seguramente contribuem para o futuro da fileira.
Estamos sempre disponíveis para abraçar projetos e participar como parceiros na promoção e valorização da nossa DOP.

Quantos pastores Serra da Estrela estão incluídos no protocolo com a Queijaria Vale da Estrela e a quantidade de leite transportado por ano?
Atualmente contamos com cerca de 37 produtores de leite de ovelha e 10 de cabra.
A quantidade de leite de ovelha entregue por alavão na Queijaria Vale da Estrela depende muito de vários fatores, sendo que, anda em média próximo dos 210 000 L/ano.

Qual a dimensão da COAPE, as suas atividades principais e o que promove no dia-a-dia?
A COAPE hoje tem o estatuto de PME Líder com um volume de faturação superior a 3,5Milhões de euros/ano.
A COAPE – Cooperativa Agropecuária dos Agricultores de Mangualde –  é uma instituição de caracter cooperativo multissetorial de referência na região, que responde aos anseios e necessidades dos seus cooperadores em toda a sua abrangência, apresentando-lhes novas propostas, algumas delas arrojadas e inovadoras, de abordagem ao setor agrícola e pecuário.
Atualmente contamos com 5 áreas:
MBERRY’S é uma secção da COAPE especializada na produção e comercialização de frutos vermelhos. A estratégia principal é a associação de vários pequenos produtores, organizados em contratos de integração com a COAPE.
A CIDECA, Centro de Investigação, Desenvolvimento e Certificação Agrícola, é um centro de investigação, desenvolvimento, certificação e formação profissional em Mangualde que apresenta exequíveis propostas nos domínios, não só da aprendizagem e formação, como também na investigação e desenvolvimento de novos produtos, detendo a capacidade de os certificar.
CENTRO COMERCIAL, gerimos um conjunto de lojas e espaços comerciais que fornecem dentro das instalações da cooperativa um conjunto de serviços, dentista, ginásio, esteticista, advogados, escritórios, pastelaria, etc…
OPLEITE é uma secção especializada na produção, recolha e comercialização de leite de ovelha e cabra. Disponibilizamos todos os fatores de produção aos nossos cooperantes.
LOJA COAPE, é uma secção de compra e venda de produtos agrícolas e alimentares. Procuramos ser competitivos e reguladores dos preços de mercado.

Como analisa o atual conceito de Cooperativismo em Portugal?
Estando até hoje a sua manifestação na economia e na sociedade portuguesa significativamente aquém do que seria desejável, deve, porém, reconhecer-se-lhe um relevante desígnio no aprofundamento da coesão social no nosso país. São disso exemplo as cooperativas agrícolas, de pesca, de habitação, de ensino, culturais ou, ainda, de consumidores. Diante dos desafios que hoje vivemos fica evidente que o cooperativismo deve ser encarado como uma escolha autêntica perante outros modos de produção do que como uma necessidade urgente de sobrevivência. A qualquer forma de união, deve associar-se “aquele que não quer ajuda, mas colaborar, contribuir, conquistar sob o signo de autodeterminação” (DEMO, 1988)